Dia nem quente, nem frio, de cor cinza, como muito me
agrada. Os afazeres da manhã de quarta-feira que se repetem nas segundas e
sextas, ajudam a descansar a mente inquieta, cuja ocupação se restringe a pensar em não
mais ter limites...
Pra fugir da realidade adentro em uma loja que tem de tudo
um pouco, não sei bem o que procuro, somente recordo que na semana anterior
havia algo dali que era preciso...
Transito por uma seção e outra e imagino coisas. Uma espécie
de lamparina me prende a atenção e me perco dali por segundos, uma cena de filme
antigo de roteiro não escrito. Tudo ali é para ser observado cuidadosamente.
Mas, ainda não sei o que quero.
Talvez fosse algo comestível... De repente, tudo ao redor
silencia e imagino de quem terá sido a brilhante ideia de vender livros, não
apenas livros, achados... Por apenas 3 reais. Aparentemente as mãos ganham
olhos, porque é necessário tocar para se certificar do pouco valor que lhe é
atribuído.
A capa tem o olhar profundo de uma mulher, cuja feição
remete aos anos 20.
Contudo, não é bem o preto e branco da fotografia... É tão
familiar, “Paixão Pagu – A autobiografia precoce de Patrícia Galvão”.
Os
ponteiros do relógio retrocederam até 2007, aula de Língua Portuguesa da
professora Catarina Moutinho, quando ouvi o nome Pagu pela primeira vez. Quando
este nome a primeira vez fez sentido pra mim, até então ouvi-lo na letra da música da Rita Lee, causava admiração, mas uma rasa admiração. Senti o corpo se
recuperar do baque lentamente, e os pelos dos braços aos poucos se acalmarem.
Incrível! Como aquela riqueza poderia custar apenas 3 reais? Se nem aqueles livros de autoajuda dos catálogos do Avon custam apenas 3 reais.
Enquanto, girava o mostruário e procurava mais joias como aquela, meu braço
esquerdo envolveu aquele maço de 160 páginas, capa em preto e branco e
contracapa em vermelho cereja, como quem carrega uma criança, zelosamente
apertada contra o seio, aquecido, seguro. Desejava mais alguns, não nego. Mas,
a aquisição é limitada, precisa ser...
Depois de percorrer o caminho até em casa, coberta com o céu
cinza, amostra grátis de outono, no quarto, sentada na cama, questiono ainda incrédula por repetidas vezes, silenciosamente: “apenas 3 reais, como pode?” - descolo com cuidado o selo
amarelo com o preço que na beirada dizia “mundo real”, um solavanco que me
devolve à realidade sem trocadilhos. Na décima segunda página, engulo o choro
de emoção das frases carregadas de significados particulares, que consumo com
voracidade... Então, de fato era algo comestível que procurava.
Como não se identificar com tantas desilusões? Como não ser
provocada com verdades que remetem à tantas reflexões? Como não se despir de
falsos pudores e pré-julgamentos de si mesma?
Me absolvi de alguns pecados, isso lá pela sexagésima nona
página, não propositalmente, ali pausei.
Meu dia não foi mais o mesmo, como também não sei mais de
mim, nem de ninguém. Apenas absorvo e sorvo aos poucos como quem saboreia
prazerosamente o amargo da vida de alguém que se permitiu muito mais do que uma
época consentia.
Paro, reflito e continuo a ler.