(Um conto dedicado à Fausto Suzuki pela influência).
Laís tinha 17 anos, corpo formado, cabeça vazia, uma cara de sonsa...
Esforçada na escola, lia todos os livros que podia, passava horas na biblioteca. Os pais a deixavam na porta da escola, depois iam buscá-la, certos de que não tinham com que se preocupar.
Marcos era um cara boa pinta, sério, dava aulas de filosofia, desejado por todas as mulheres com as quais trabalhava, recusava todos os convites para sair. Falava várias línguas, usava roupas caras. Nas horas vagas, estudava artes...admirava.
Eles se encontravam na esquina da escola, depois que todos a viam entrar no prédio. Mal podiam desconfiar que ela pulava o muro. Entrava no carro dele, iam para outro lugar, mais afastado dali.
Sofia tinha um corpo perfeito, um cabelo cor de fogo. Se escondia em roupas sem graça, não usava maquiagem, e andava sempre cabisbaixa. Um dia no elevador do museu esbarrou num homem bonito, que lhe pediu desculpas e sem querer pegou em sua mão... Ele comentou que acabara de ler o mesmo livro que lhe pertencia, enquanto o juntava do chão.
Por algum motivo que Sofia não pode explicar aquilo mexeu muito com ela, que imediatamente desviou o olhar daqueles olhos lindos.
Depois daquela tarde, Sofia não o conseguia tirar da cabeça. Passava minutos a fio alisando a capa do livro, que ele havia tocado.
Enquanto isso, Laís continuava com sua rotina. Não ligava para os rapazes da escola, se acabava de estudar, não abria a boca para nada. Mas, usava roupa da moda, que parecia terem sido costuradas a vaco no próprio corpo. Quando estava com Marcos, usava batom vermelho, que ficava na bolsa de maquiagem guardada no porta luvas do carro dele. Ele afrouxava o nó da gravata...
Depois de um mês, Sofia acreditava saber tudo sobre o homem misterioso que não a deixava dormir uma noite, sem que sonhasse com ele. Resolveu escrever uma carta, sem assinar. Deixou perto do lugar onde ele sentava para admirar as esculturas do museu, era sempre o mesmo lugar... Ele olhava para elas e se perdia nos pensamentos. Mas naquela tarde foi diferente, havia um envelope com seu nome. Ele viu, o abriu e leu.
Sofia escondida, observava de longe. A carta tinha os mais intensos sentimentos, ele emocionado procurava por todos os lados daquela sala fria, quem poderia ter escrito tais palavras, todas dirigidas a ele, um lado que ele nem sabia que tinha, mas que gostou muito de ter transmitido... Imaginou como seria aquela mulher delicada que havia preenchido aquelas linhas.
Passados mais oito meses. Marcos não lembrava mais da carta, continuava sua rotina de recusa aos convites das outras mulheres. Sempre parecendo distante. Nenhuma era boa o suficiente para ele.
Laís seguia também com suas fugas sem sombra de dúvidas, ela não tinha amigas, ninguém que quisesse conversar com a cdf da sala, então tudo bem.
Quando não agüentava mais aquele sentimento rasgando seu peito, Sofia resolveu seguir seu amado, e se declarar, lembrá-lo da carta...
Vestiu um vestido tubinho preto, arrumou seus cabelos ruivos compridos, colocou salto (que precisou ter aulas para se equilibrar), comprou uma rosa branca e levou consigo o livro que havia os “unido” naquela tarde de chuva, dentro do elevador do museu.
Laís, repetiu sua rotina com Marcos... Pulou o muro da escola, entrou no carro dele, passou o batom vermelho e ele afrouxou a gravata...
Sofia estava na rua onde ele morava, já era possível avistar o prédio de longe... Só mais alguns passos...
Foi quando viu o carro dele chegando, havia uma mulher com ele. Sofia sentou no meio fio e chorou. Se sentiu ridícula com aquela roupa e todos os esforços em vão, como pôde acreditar que ele já não amava outra mulher?
O carro entrou no prédio e Marcos não demorou para sair novamente, desta vez a pé. Atravessou a rua, caminhou até a banca de jornais, ascendeu um cigarro, lá tinha um homem, bem mais velho a quem lhe entregou as chaves...
Sofia sentada no meio fio despertou o interesse de Marcos, que se aproximou e perguntou se já se conheciam. E por que ela estava chorando. Ela respondeu que talvez já tivessem se visto em algum lugar, mas que ela não lembrava.
Ele a convidou para um café. Depois de alguns minutos de conversa ela pergunta se ele não deveria ir para casa, afinal um homem como ele deveria ter alguém o esperando lá. Ele ruborizou e respondeu que não poderia ir ainda. Pois seu apartamento serve de encontro para um casal. Ela não pergunta mais nada, mas ele certo de que não a veria outra vez resolve falar.
“Eu conheço uma moça, que se encontra com homens mais velhos no horário de aula, por um certo valor, depois que ela termina, dividimos o dinheiro.”
Sofia sente seu mundo cair, e o chão se abrir por entre seus pés. O homem com quem ela imaginou que poderia ter alguma coisa, era um gigolô. A moça com quem ele estava no carro era uma prostituta.
Sofia agradece o café e vai embora. Esquece sobre a mesa, a rosa branca e o livro...
Quando volta para casa, Marcos encontro Laís morta com um tiro na cabeça, seus miolos espalhados pela sala e o velho morto ainda de meias com um tiro na boca... Crime passional grita o vizinho, que já haviam chamado a polícia.
Marcos sai correndo dali, sem saber o que fazer...
O que diriam os colegas de trabalhos, as mulheres com quem ele se recusou a sair? Foi quando ele lembrou de Sofia, poderia usá-la como álibi ou sei lá, uma companhia. Correu sem olhar a rua, e um ônibus o atingiu em cheio. Estavam todos mortos, o gigolô, a prostituta e o velho nojento.
Sofia ainda caminhava sem sentir o chão... Rumo a sua casa, sem saber o que havia acontecido...
Depois de uma noite sem dormir, juntou o jornal do chão da sala de seu apartamento, vestiu o robe e foi tomar café. Entre um gole de café folhava o jornal, nas páginas policias estava estampado o título do crime passional, na seguinte de um atropelamento...de um homem de 30 anos, por negligência...
Sofia põe a mão na boca e sufoca um grito, enche os olhos de lágrimas e de repente, gargalhadas profundas lhe escapam, um riso aliviado. Ela olha para o jornal e diz:
“Não poderiam ter tido um destino melhor”!