Hoje lembrei de coisas da minha história que estavam empoeiradas bem no fundo da memória. Recordei vendo um filme... em síntese, um suposto instrutor instigava o atleta enquanto se concentrava para jogar, com frases do tipo: “Vai desistir?”, “quer ir para casa?”, que me fizeram lembrar um pouco da minha pré-adolescência, adolescência até a fase adulta (11 aos 24 anos), período em que me dediquei ao vôlei. Aprendi muita coisa, como trabalho em equipe, concentração, análises do inimigo, estratégias eficientes, logística, disciplina... Bem este último nem tanto, já que era dona de ser advertida pelo juiz, por vibrar na cara das adversárias, um gesto nada esportivo.
Com o tempo eu sabia exatamente o momento em que elas saltavam para cortar e apesar da minha baixa estatura, conseguia bloqueá-las. Gostava de vibrar olhando nos olhos delas, eu via um misto de incredulidade com revolta e surpresa, era possível ler de longe aqueles olhares. Um erro muito grotesco é subestimar as adversárias, já estava acostumada a fazerem isso comigo.
Acho que foi aí que comecei a estudar o que o corpo falava antes mesmo de sonhar em fazer comunicação. Enquanto esperava pela vez de jogar com minhas colegas de equipe, contava as passadas das atacantes, a jogada de braço, cada uma tinha uma manha, uma técnica diferente... Os cacoetes, a bola que saía das mãos das levantadoras, os saques, as passadas para os bloqueios, o mesmo acontecia com os curingas das jogadas, aquelas atacantes do fundão que batem da linha dos três metros. Eu também atacava dali... mas minhas especialidades eram o ataque de ponta, de saída e o saque, colocava onde eu queria.
O que me fez viajar nessa nostalgia toda, foi ter lembrado do Edu, meu instrutor e professor da Academia Corpus, Edu tinha sido indicado para seleção brasileira de vôlei masculino, não lembro o ano, não adianta forçar, mas perdeu a vaga para outro cara que também não lembro o nome... Ele sabia meu ponto fraco e quando apresentava queda no meu rendimento, ele começava a provocação, como o carinha do filme... “Tá cansada?”, “quer esquentar o banco?”, “quer ir para casa?”, “tu não consegue”, “desiste, não dá”. Isso me deixava com ódio, esse monstro que trago dentro de mim que chamam de “potencial mal canalizado”, fazia com que meu braço ganhasse o triplo da força, saltasse ainda mais alto, não é à toa que meus tendões são estourados e meus joelhos também não são lá essas coca-colas.
Quando vim a primeira vez para o Amapá, em 1998, soube que o Edu morreu de câncer no estômago, também pudera ele fumava como um condenado. Nunca chegou a casar com a sócia da academia, a Lorena, professora de dança, corpo perfeito, tão miúda quanto eu, tinha paciência do tamanho do Edu com seu 1,90mt, um poço de simpatia.
Ainda não aprendi a domar meu monstro. Me irrito fácil e quanto mais raiva eu tiver, mais o meu potencial mal canalizado me tortura... Hoje não tenho mais tempo para exercitar meu corpo, sinto falta das quadras e morro de saudades daquele tempo, sei que nunca mais voltarei aquele físico. Antes de vir para o Amapá, há cinco anos, joguei meu último campeonato.
Fazia parte do time feminino de vôlei do quartel do Exército (formado por esposas e filhas de militares), fomos campeãs da cidade naquele ano. Foi mais do que uma vitória foi um retorno de glória porque dois anos antes eu havia me machucado por duas vezes, uma num campeonato em Pelotas-RS, a distensão na coxa esquerda, me deixou fora das quadras por um longo período. Depois quando retornei às quadras desta vez pelo time de Bagé-RS quebrei o pé direito, durante o aquecimento, um parquê que estava faltando deixou um buraco e foi nele que torci o pé e, lá estava eu sem arrancada, perdendo bolas fáceis de defender, sem poder dar peixinho, sem sair do lugar... Quando o corpo esfriou e tive que ir para o banco, o sangue já havia subido até o tornozelo e eu havia fraturado em duas partes o pé. Por isso o retorno foi tão importante.
Isso já faz tanto tempo...